10 de março de 2017

Estudo relaciona doença da urina preta com consumo de peixe

O mistério da doença da urina preta parece ter chegado ao fim. Após quatro meses de suspense, a enfermidade que causa dores fortes pelo corpo e pode deixar a urina escura foi identificada por um grupo de pesquisadores independentes. A análise aponta que se trata da Doença de Haff.
A pesquisa foi feita por um grupo de doze pesquisadores independentes e foi encaminhado para publicação em revistas acadêmicas internacionais na área de saúde. Foram usados dados do Hospital Aliança e da Vigilância Epidemiológica de Salvador.
O médico infectologista Antônio Bandeira, que comandou os estudos, explica que nos 15 casos analisados na pesquisa não houve nenhum sintoma de infecção por vírus, como febre ou problemas respiratórios.

“Na investigação vimos que a relação era muito maior com a ingesta de peixe. Temos hoje fechado que se trata da Síndrome de Haff”, revela. Segundo o médico, a doença seria causada por uma toxina prejudicial a mamíferos que é ingerida pelo peixe na sua alimentação. A substância estaria presente em algumas algas e corais.

Histórico
A doença de Haff já havia provocado surtos anteriores na Europa e no Brasil. Em 2008, por exemplo, 27 pacientes foram diagnosticados com a enfermidade em Manaus. “Outra coisa importante é o surto que não é só restrito a Bahia, o Ceará notificou vários casos, inclusive nós temos uma pessoa da Bahia que foi pro Ceará e ficou doente lá”, descreve.
A literatura médica aponta que a Síndrome de Haff foi identificada pela primeira vez em 1924, na Europa. Há também casos registrados na China e nos Estados Unidos. Os sintomas são dor súbita na cervical e por todo o corpo, contratura muscular, urina da cor de café e elevação da enzina CPK.
Os pacientes diagnosticados com a síndrome relatam ter ingerido pescado nas últimas 24 horas antes de apresentarem os primeiros sinais, segundo aponta o estudo "Doença de Haff complicada por falência de múltiplos órgãos após ingestão de lagostim: estudo de caso" publicado por pesquisadores chineses na Revista Brasileira de Terapia Intensiva.
A recuperação do paciente é rápida, em 3 ou 4 dias, ele já sente alívio nas dores do corpo. Porém, em certos casos, as pessoas podem apresentar fadiga por mais algum tempo. Os médicos recomendam que aos primeiros sintomas, as pessoas procurem uma unidade de saúde, se hidratem bastante e evitem consumir antiflamatórios.
Risco
Em casos raros, a enfermidade pode levar à morte. O grande risco é que ela pode causar insuficiência renal. Nenhum paciente na Bahia apresentou esse quadro e precisou fazer diálise. Por causa dessa possível consequência, é que os médicos solicitam que os pacientes não usem antiflamatório.
Ainda não há casos registrados de mortes causadas pela doença misteriosa no estado, segundo informam as secretarias Municipal de Saúde de Salvador e a Estadual de Saúde da Bahia. "Um óbito que ocorreu em Salvador e estava sob investigação, se descartou que a morte tenha sido por mialgia aguda.
O paciente tinha outros problemas de saúde e foram esses fatores que levaram ao falecimento", explica Cristiane Cardozo, coordenadora do Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS) da Secretaria Municipal de Saúde.
Sobre o outro óbito que estava sendo analisado, o de um paciente de Vera Cruz, também foi descartada a hipótese de relação com a doença misteriosa. A Secretaria Estadual de Saúde (Sesab) informou que embora o paciente tivesse apresentado sintomas da enfermidade, tinha outras comorbidades que o levaram a falecer.
Investigação
Apesar da descoberta, a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) informa que este novo diagnóstico não é reconhecido pelo órgão, por não se tratar de um estudo feito pela instituição. Por meio de nota, a assessoria de comunicação da instituição explica que aguarda o resultado das amostras encaminhadas pela pasta para pesquisa.
A Sesab enviou o material para análise na Fiocruz, no Rio de Janeiro, no Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, para a Universidade Federal do ABC, em Santo André-SP, e para um laboratório nos Estados Unidos.
Da mesma forma, a Secretaria Municipal de Saúde de Salvador (SMS) informa que ainda é cedo para afirmar categoricamente que a doença misteriosa seja Síndrome de Haff. "O que leva a pensar são as características clinicas, mialagia intensa (dor muscular), ela tem um certa predileção por algumas áreas, no trapézio e pode estar se espalhando pelo corpo. E um resultado laboratorial que fala do aumento da enzima muscular CPK", aponta Cristiane Cardozo, coordenadora do CIEVS.
Porém, ela alerta que ainda há uma hipótese da associação com o enterovírus, ainda sob investigação, e que as análises laboratoriais encomendadas pela SMS para confirmar se é doença de Haff, feita na Fiocruz (RJ) e num laboratório americano, ainda não chegaram a resultados conclusivos. Ela ressalva que não há estudos que digam com clareza que a doença de Haff é causada pela palitoxina ou derivados.
"O problema é identificar a toxina no peixe. A gente não tem a garantia se a doença misteriosa é causada por enterovírus ou por essa toxina porque o laboratório não nos dá essa certeza. Não é que nem um surto de dengue, em que as pessoas apresentam os sintomas, a gente faz o exame e tem a confirmação", diz a coordenadora.
Também continua em investigação a hipótese da ligação da Mialgia Aguda com o parechivirus, pesquisa comandada pelo médico Gúbio Soares, da Universidade Federal da Bahia (Ufba).
Desde 14 de dezembro de 2016 até 5 de março de 2017, já foram informados 71 casos de Mialgia Aguda a Sesab. Desses, 66 foram registrados em Salvador, um em Vera Cruz, um em Dias D’Àvila, um em Camacã, um em Feira de Santana e um em Alcobaça.
Pânico 
Os órgãos de saúde dizem que não há motivos para pânico. A doença misteriosa é considerada rara pois apesar das milhares de pessoas que consumem peixe diariamente no estado, apenas algumas dezenas apresentam os sintomas. Não há uma espécie exata que esteja associada à Mialgia Aguda, mas no estudo do Dr. Bandeira a maioria dos pacientes consumiram badejo ou olho de boi.
Além disso, nem todas as pessoas que consomem o pescado com a toxina desenvolvem a enfermidade. "A gente tem a seguinte situação: em um grupo cinco pessoas comeram peixe e duas ficaram doentes, porque ainda tem a resposta biológica do organismo", revela Cristiane Cardozo. (Correio)

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