Vizinhos
do manguezal localizado nos fundos da Rua Katiara, em Nazaré,
no Recôncavo, costuma ouvir mais que ruídos noturnos da
fauna nativa da área lamacenta.
O
local é conhecido como tribunal do júri da facção
fundada por Adílson Souza Lima, o Roceirinho, antigo morador
da região e que hoje está no presídio federal de
Campo Grande (MS).
O nome da via de paralelepípedos cercada de
casas com tijolos à mostra, enladeirada e cercada por morros,
batiza o grupo criminoso liderado por ele, que utiliza o mangue como
sala de torturas.
Moradores
relataram ao CORREIO que, a prática já foi mais frequente,
mas mesmo assim não é raro, à noite, ouvirem, vindos
do mangue, gritos e gemidos de vítimas da facção
sendo espancadas.
Depois, elas são deixadas amarradas, por dias,
com os ferimentos expostos a insetos e caranguejos. “É
horrível. A gente sofre com as pessoas pedindo socorro, gritando
pela mãe, mas quem vai lá ajudar?”, perguntou uma
mulher que mora perto do mangue e, por medo, pede para não ser
identificada.
Para
a foz do Rio Jaguaripe, entre os bairros Apaga Fogo e Muritiba, são
levados devedores e quem desobedece as regras da facção.
“Os que devem muito, sequer têm segunda chance. Morte na
hora”, disse outro morador.
Mas não só eles. Comandante
da 3ª Companhia Independe de PM de Nazaré, capitão
Maurício Costa contou que integrantes da própria Katiara
já foram amarrados no mangue como punição.
O grupo
apareceu em um vídeo na internet exibindo armas e provocando
rivais. “O chefe deles mandou amarrá-los como castigo.
Já encontramos um tronco com corda”, disse.
Os
relatos foram feitos um dia após as polícias Civil e Militar
realizar uma operação no local, em cumprimento a dez mandados
de prisão e apreensão (ver ao lado).
A reportagem esteve,
na última quarta-feira, na rua, no bairro Muritiba. Apesar da
grande presença policial, poucas pessoas quiseram falar com a
reportagem, mas confirmaram a sequência de horrores no mangue.
O
tribunal
Depois de julgadas por uma comissão, formada pelo gerente da
boca e comparsas, as vítimas são agredidas e amarradas.
No caso de dívida de droga, aguarda-se o pagamento do montante
devido pela família. “A intenção deles é
fazer com que os parentes quitassem as dívidas.
Já teve
gente que ficou 15 dias amarrada. Muitos morreram e os corpos foram
despejados no mangue”, relatou um jovem.
“A
outra forma de tortura é amarrar uma corda nas pernas e arrastar
as pessoas na rua e, depois, jogar o corpo na casa das famílias”,
relatou outro morador, que em seguida, estendeu o braço, apontando
para um morro que cerca a rua. “Lá em cima é o ponto
de observação deles.
Dali, ficam de olho na presença
da polícia e de quem vem de fora”, indicou.
Segundo
uma moradora, o problema do tráfico de drogas é antigo
na localidade, mas de dez anos para cá, a situação
piorou. “A droga sempre existiu. As pessoas conviviam bem com
isso.
A maioria das famílias vivia do manguezal e eram poucos
aqueles que consumiam essa porcaria (droga). Mas, de 10 anos pra cá,
os jovens aqui só andam armados”.
Domínio
O
começo do domínio de Roceirinho veio, justamente, com
a aquisição de armas como fuzis e metralhadoras, há
cerca de 10 anos. Entre as práticas relatadas por um PM, para
que o traficante ampliasse sua área de atuação,
estava o investimento na distribuição das drogas na região.
“Ele pagava R$ 150 por semana a um vapor (quem transporta a droga)”,
comentou um policial que participou da operação.
Com
a conquista de Nazaré, não foi difícil estender
os domínios para regiões vizinhas, como Santo Antônio
de Jesus, Maragogipe, Salinas da Margarida, Vera Cruz e Santo Amaro.
Em Salvador, Roceirinho domina pontos nos bairros de Valéria,
Águas Claras e Lobato.
Outro
lado
Apesar dos relatos das crueldades da Katiara em Nazaré, o delegado
da cidade, Marcos Maia, disse que só há dois registros
recentes que ele tem conhecimento. Em 19 de abril, o corpo de João
Paulo Sampaio dos Santos, 26, foi encontrado dentro do manguezal, no
bairro de Apaga Fogo, vizinho à Rua Katiara.
A
vítima estava nua e foi resgatada por policiais, que usaram barcos,
e contaram com a ajuda de moradores e pescadores. João Paulo
morava no bairro de Castelo Branco, em Salvador, e estava na casa de
parentes.
“Ele
andava perambulando pela cidade”, disse o delegado. A vítima
morreu de traumatismo craniano. “Provavelmente, golpes de madeira,
mas não temos autoria”, explicou.
O
segundo caso foi há dois anos. “Uma mulher foi espancada
e ameaçada de morte após uma desavença com um integrante
da quadrilha. Ela registrou queixa e abandonou a Rua Katiara”,
disse Maia. “O restante que se atribui ao bando, outras torturas
e mortes, acredito que seja especulação, pois estou há
um ano na delegacia e não há mais registro disso”.
No
entanto, em 24 de novembro de 2014, moradores de Caboto encontraram
amarrados os corpos dos irmãos Edvan Santos da Cruz, 25, e José
Carlos Santos da Cruz, 27, com marcas de tiro e deformações
no rosto.
À época, a população informou
ter visto um grupo armado cercando a casa dos irmãos, gritando
“Katiara!”. (Correio)
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